Neste post vou descrever duas maneiras diferentes de usar cor em uma pintura que têm especial significado para mim, já que eu tendo a oscilar entre uma e outra.
Grosso modo, estas duas maneiras correspondem à da escola florentina e à da escola veneziana. Na escola florentina predomina a cor local, ou seja, a cor que o objeto tem em si. Já na escola veneziana predomina a atmosfera, a cor e o caráter predominante da iluminação que envolve a cena.
No primeiro caso, o da escola florentina, uma folha de papel branco tende a ser representada como branca, mesmo que tenha evidentemente o seu sombreado, suas áreas de luz, meio tom e sombra. Os pintores da renascença, na prática, trabalhavam com 5 ou até 7 áreas de luz distintas, mas vamos manter a coisa simples. Se eu estou fazendo um panejamento vermelho, defino e misturo as tintas para as áreas de luz, meio tom e sombra daquele objeto, e assim por diante para todos os outros objetos. Com isso eu tenho como resultado uma cena iluminada por uma luz sem cor definida, difusa e sem focos, constante pela cena inteira. O resultado é uma idealização similar à própria idealização anatômica da pintura florentina. Na verdade não se encontram pessoas tão proporcionais nem com contornos tão refinados e nem situações de iluminação tão claras e definidas, na natureza.
Em uma pintura atual, que tem, é claro, intensões estéticas bem diferentes das de uma pintura da renascença, este método corresponderia a escolher uma palheta de cores pré-misturadas em que eu tenha umas poucas cores predominantes e a partir dessas cores criar variações, principalmente quanto ao valor (quão claro ou escuro uma cor é). Depois, simplesmente colocar as áreas de cor uma ao lado da outra, com ou sem fusão de contornos, apoiando-se no “acorde” original de cores escolhido. E isso trabalhando e terminando uma área do quadro depois da outra.
Já na escola veneziana predomina a ideia de que a cor local, a cor que um objeto tem, muda dependendo da caracteristica e cor da luz geral. Nela, uma folha branca, sob uma luz ambiente rosada crepuscular, não vai ser evidentemente, branca. A folha de papel é de um cinza rosado mais ou menos escuro dependendo da luz que incide sobre ela na parte da cena em que está. Nosso cérebro faz a compensação que nos permite reconhecer uma folha como sendo branca sob diferentes condições de iluminação. Isso resulta em uma menor idealização e menor clareza dos objetos individuais, mas a cena como um todo tem um nítido aumento de intensidade emocional e se torna bem mais convincente, com focos de iluminação definidos.
Numa pintura atual isso implicaria em estratégias como usar uma imprimadura colorida de fundo de um tom médio que corresponda ao tom médio da pintura, ou no mínimo uma maneira de pintar que não termina uma área depois da outra mas trabalha a tela inteira tocando em todas as áreas simultaneamente. Nessa caso a transparência das cores e as pinceladas fragmentadas ganham maior importância. Os contornos tendem a se tornar mais ou menos indistintos conforme a iluminação e a distância e aparece um ou mais focos de luz na cena.
Dois exemplos bem distintos na minha pintura:
Juan Gris claramente usa uma luz ambiente, assim como Anselm Kiefer, nestas pinturas.
Já Picasso e Frank Stella usam cor local, nestas:
Caro Amigo, adoro seus textos….claros precisos sensíveis..gostaria de receber sempre ! A ideia do Speculum Mirabilis é sensacional…acabo de ler sobre a cor do pigmento de cada região, adorei ! Abraço carinhoso